Caros amigos, a história que segue, por mais exagerada que possa parecer, nao tem nada de inventado nem aumentado. Quem me conhece sabe que eu nao minto.
Chega de histórinhas bonitinhas, enfim uma história em que a gente se ferra, e legal.
Cerro Calafate à distância
Estávamos aqui em El Calafate e nao havia mais tempo para ir ao Parque Nacional Los Glaciares que é praticamente o propósito da cidade. Abrimos nosso guia, companheiro de viagem, o Lonely Planet versao Argentina, e lemos o que mais se poderia fazer por aqui. Descobrimos que havia um hiking num monte próximo à cidade chamado Cerro Calafate. Como nao sabíamos a diferença de trekking e hiking fomos até o local, um tanto afastado da cidade, dispostos a fazer uma trilha interessante.
No que chegamos lá e vimos o imponente monte, tem cerca de 900 metros de altura se nao me engano, percebemos que a aventura seria um pouco mais complicada, mas enfim, já estávamos por lá... Logo antes de subir encontramos dois cachorros que insistiram em seguir-nos. Quando começar a ficar difícil de subir eles voltam, pensamos.
Tá ficando meio alto, né nao?
Procurando o melhor local para iniciar a escalada, atravessamos o riacho que margeia a montanha e seguimos andando. Quando finalmente achamos um lugar próprio para iniciar a subida começamos a aventura. Subimos um bom tanto e as coisas já apareciam pequeninas e distantes. Mas o topo, atrás de um grande paredao de pedra, estava próximo e precisávamos continuar. Continuamos. O topo esteve próximo mais algumas vezes e sempre que escalávamos os cada vez mais íngremes paredoes ele figurava logo ali, mais um barranquinho acima. Enquanto subíamos, eu ia me lembrando de quando era criança, no sítio da minha vó, e como ela provavelmente diria que o que estávamos fazendo seria perigoso.
Depois de andar muito, com as pernas todas doloridas, a paisagem cada vez mais distante e os cachorros sempre em nosso encalço (nao eles nao desistiram no caminho), decidimos que era hora de parar. Já havíamos andado por 2 horas num ritmo frenético, e dali a 3 horas estaria de noite. Descer montanhas a noite nao é nenhum um pouco recomendável.
Enfim, bebemos um pouco mais de água, apreciamos a vista, tiramos fotos e finalmente começamos a descida. Nota importante para você que, como nós, nao tem experiência nenhuma em hiking. Subir pode nao ser tao complicado, mas descer...é F O D A.
No começo foi fácil, na descida todo santo ajuda, nao é verdade? É verdade, até que chegamos ao primeiro paredao. O caminho era todo muito parecido e sem perceber fizemos uma rota diferente na descida. O paredao era apavorantemente íngreme. Para nós era "passável", mas um dos cachorros precisou de nossa ajuda para descer. Todo mundo à salvo, menos mal.
Continuamos a descida e nos deparamos com outros paredoes, um mais complicado que o outro, conseguimos descer com um esforço absurdo enquanto os cachorros faziam a volta por outro caminho que só servia para eles. A coisa era que, a cada paredao que descíamos, percebíamos que seria impossível retornar caso a rota estivesse errada, era simplesmente íngreme demais. Foi entao que o ápice da aventura se deu.
Pulamos mais um paredao e chegamos num ponto muuuuito crítico. Simplesmente nao havia caminho que servisse para descer. Estávamos presos, muito alto na montanha, escurecendo, sem telefone e sem ninguém que soubesse que estávamos por lá. FUDEU.
Vista durante a escalada
Nos enfiamos numa fenda praticamente vertical. Era bastante alta, como que uns 12 metros ou mais, penso eu. O Léo estava na frente nesta parte do percurso e eu nao podia enxergá-lo. Ele me disse que era bastante alto mas que nao havia outro caminho e ia tentar escorregar pela fenda e pular. De repente eu escuto um grito e um gemido. Senti uma das piores sensaçoes da minha vida, pensei que meu irmao tivesse se machucado muito gravemente.
- Léooo! - gritei.
- Tô bem. - me respondeu.
Monte que ficava na metade da escalada
Aliviado, comecei a descer o que restava do caminho e finalmente vi de onde teria que pular. Pânico, total e absoluto. Nao cabia na minha cabeça como meu irmao tinha alcançado o chao inteiro. De verdade, era alto pra caramba. Mas enfim, cheguei em um ponto em que nao havia como subir mais. Estava preso entre as pedras da fenda. Meu irmao cogitou em buscar ajuda, mas escureceria muito em breve e eu nao aguentaria muito mais tempo. Tentei de todos os modos ganhar mais terreno deslizando pela pedra, nao havia como. Comecei a tentar dominar o pânico e tentar pensar racionalmente. Se meu irmao havia pulado, entao, na pior das hipóteses eu ficaria todo quebrado, mas morto nao. Ainda assim havia a possibilidade de rolar morro abaixo porque a terra era muito inclinada na base do paredao.
Sem mais alternativas, rezei, com toda a fé com a qual se pode rezar. Desisti de pensar e pulei. Foi tudo muito rápido. A queda foi boa e quando cheguei ao chao comecei a rolar, e nao fosse meu irmao que pulou e me puxou pelo braço (igualzinho filme americano, juro), teria rolado sabe-se lá quantos metros.
Tá tudo pequeniniinho
Estávamos os dois vivos e inteiros (fora uma porçao de arranhoes que sentimos até agora), mas os cachorros nao podiam descer. Continuamos a jornada muito tristes, com um remorso absurdo, ouvindo o choro dos cachorros e vendo as pedrinhas rolarem barranco abaixo enquanto eles indecisos pateavam logo acima. Mas de verdade, nao havia o que fazer. Superamos mais obstáculos, sempre muito íngremes quando, finalmente. Vimos os cachorros correndo em nossa direçao. Foi uma alegria que nao tem palavras que descrevam. Abraçamos os cachorros e respiramos aliviados.
Uma boa caminhada depois estávamos lá embaixo, finalmente. Andamos mais uma belíssima distância até a cidade, minhas calças jeans rasgadas, mas aliviados.
Dessa vez quase morremos amigos, sem exageros. Mas quase é quase, certo?
Sigamos!